SITES E BLOGS

  • LEITORES
  • quarta-feira, 2 de maio de 2012

    ESTÊVÃO - UM FADÁRIO DE AGONIA E SUBLIME AMOR



     No capítulo I do monumental livro “Paulo e Estevão” há uma descrição da cidade de Corinto, reedificada por Júlio César, localizada ao sul da Grécia entre os mares Jônio e Egeu, no Mediterrâneo. Destruída pelo cônsul romano Múmio em 146 a.C., Corinto era um importante centro produtor de uvas e passas. Homero (autor de Ilíades e de Odisséia) chamou-lhe “Riquíssima Corinto”, pela excelência de suas terras. Também era famosa pelas libertinagens e os romanos aí encontravam campo vasto para suas devassidões.
    No ano 34 a.D., Corinto em peso foi atormentada por violenta revolta dos escravos oprimidos. Controlando a situação os romanos elegeram as numerosas famílias judaicas para suas extorsões. Uma delas foi o clã de Jochedeb ben Jared, pai de Abigail (18 anos) e Jeziel (25 anos de idade).
    Licínio Minúcio, questor do Império, confiscou a propriedade de Jochedeb e dilacerou-lhe a família. Ben Jared, considerado violador da lei romana, foi condenado e morto sob a violência da chibata em presença dos dois filhos.
    Abigail foi amparada por Zacarias ben Anan e sua esposa, e passou a residir em uma granja, na estrada de Jope. Todavia, o jovem Jeziel, após sofrer bárbaro martírio por espancamento, foi recolhido à prisão e depois de 30 dias foi conduzido para o serviço das galeras romanas.
    Em Cefalônia, a embarcação recebeu Sérgio Paulo, patrício romano, que se dirigia para a cidade de Citium em missão de natureza política. Durante a viagem, o aristocrático romano adoeceu gravemente. Abriu-se seu corpo em ulcerações, de tal modo que o seus conterrâneos não se arriscaram a tratá-lo. O constrangimento foi imposto ao jovem Jeziel, que valendo-se das orações curou o eminente romano, enquanto ele próprio, Jeziel, contraia a mesma moléstia.
    Penhorado em face do cuidado do irmão de Abigail, Sérgio Paulo conseguiu persuadir o comandante da galera, que almejava arremessar Jeziel ao mar no pressuposto de impedir o contágio na embarcação, para deixá-lo em terra, na costa da Palestina. Em terra firme, foi conduzido à Casa do Caminho, em Jerusalém.
    Na instituição, recebido por Pedro e Tiago menor, Jeziel foi tratado, e após duas semanas ficou curado e depressa afeiçoara-se ao Pescador como um verdadeiro filho. Por sugestão do velho apóstolo, Jeziel passou a adotar o nome Estevão, em homenagem à velha Acaia, na Grécia.
    O filho de Jochedeb era dos arredores de Sebastes e descendia da tribo de Issacar. Analisava as profecias, sobretudo de Isaias, pelas belezas das promessas divinas de que foi portador, anunciando o Messias. Ali, na Casa do Caminho, ficou sabendo que Jesus havia sido crucificado há mais de um ano e, em lágrimas, recordou o profeta: “Levantar-se-á como um arbusto verde, vivendo na ingratidão de um solo árido, onde não haverá graça nem beleza. Carregado de opróbrios e desprezado dos homens, todos lhe voltarão o rosto. Coberto de ignomínias, não merecerá consideração. É que Ele carregará o fardo pesado de nossas culpas e de nossos sofrimentos, tomando sobre si todas as nossas dores.”(1)
    Estevão instruiu-se nas anotações de Mateus sobre o Divino Mestre e prontamente se integrou na vida da comunidade cristã. Em pouco tempo tornou-se célebre em Jerusalém. Lembre Emmanuel: “Quando muitos discípulos de Jesus deixavam de ampliar os comentários públicos para além das considerações agradáveis ao judaísmo dominante, ele apresentava à multidão, o Salvador do Mundo, indiferente às lutas que iria provocar, comentando sobre a vida do Crucificado com o seu verbo inflamado de luz.”(2)
    O seu primeiro encontro com o futuro “Apóstolo dos Gentios” ocorreu no ano 35, no cenáculo da Casa do Caminho, quando Saulo ali esteve, levado por Sadoc, que o incitava a perseguir "os homens do caminho", cujo prestígio ascendia em Jerusalém. Durante a palestra, o irmão de Abigail leu um trecho das anotações de Mateus, capítulo 10 versículo 6 e 7: “Mas ides antes às ovelhas perdidas da casa de Israel; e, indo, pregai dizendo: É chegado o Reino dos Céus.”(3) Explicou que a Boa Nova era a resposta de Deus aos apelos humanos. Moisés foi o condutor, mas, Jesus é o Salvador. Com a Lei éramos servos, com o Evangelho somos filhos livres de um Pai amoroso justo e bom, pregava Estevão.
    Saulo o ameaçou com a autoridade do Sinédrio, contudo o palestrante não se atemorizou e redarguiu ao rabino se tivesse alguma acusação legal contra ele, que expusesse e seria obedecido; mas, naquilo que diz respeito a Deus, só ao Criador competia arguir-lhe. Estevão tinha consciência de que o Sinédrio detinha muitas maneiras de fazer-lhe chorar, mas não reconhecia poderes para obrigar-lhe a renunciar ao amor de Jesus Cristo.
    Anunciou ao filho de Tarso que aquele templo humilde era construção de fé e não de justas casuísticas. Agastado, Saulo providenciou para que o orador fosse conduzido ao Sinédrio a fim de ser interrogado. Sob o falso testemunho de Neemias, o jovem Estevão foi acusado de blasfemo, caluniador e feiticeiro, porém explicou a todos que não desrespeitava Moisés, mas não havia como deixar de reconhecer a superioridade de Jesus-Cristo, por isso, saberia pagar, pelo Mestre, o preço da mais pura fidelidade.
    Saulo, por vingança, na condição de juiz, deliberou a pena de lapidação contra o irmão de sua noiva (Abigail, irmã do réu) encarcerado por dois longos meses. Após a leitura das denúncias, antes de proferir a sentença, Saulo perguntou-lhe se estaria disposto a renegar o Carpinteiro, com o que seria poupada sua vida. A resposta desassombrada do filho de Corinto foi de que nada no mundo o faria renunciar à tutela de Jesus. Morrer por Ele significava uma glória.
    No dia assinalado para o apedrejamento, Estevão apresentava barba crescida e maltratada, trazia equimoses (sangue pisado) nas mãos e nos pés. Caminhando vagarosamente, fadigado, foi conduzido às proximidades do altar dos sacrifícios no Templo. Algemado no tronco do suplício, com os pulsos sangrando, pela brutalidade dos soldados, sob o sol abrasador das primeiras horas da tarde, foi cruelmente apedrejado.
    Os verdugos eram os emissários das sinagogas das cidades que convergiam ao Templo. Tais carrascos se esmeraram para “resguardar” a cabeça do condenado, a fim de que o abominável espetáculo perdurasse mais tempo. Nesse momento, Estevão pensa em Jesus e ora. O peito se cobre de ferimentos e o sangue flui abundante. Recita o Salmo XXIII: “O Senhor é o meu Pastor, Nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, Guia-me mansamente A águas mui tranquilas, Refrigera minh’alma, Guia-me nas veredas da justiça Por amor do seu nome. Ainda que eu andasse Pelo vale das sombras da morte, Não temeria mal algum, Porque Tu estás comigo... A Tua vara e o Teu cajado me consolam.”...(4). Sentindo a presença de seus amigos espirituais, exclama: "Eis que vejo os céus abertos e o Cristo ressuscitado na grandeza de Deus!".(5)
    Recorda a irmã Abigail. Por onde andaria? Que teria sido feito dela? Nunca mais a encontrara. Abigail, noiva de Saulo, e por ele convidada para assistir a execução chegava naquele instante. Ela que não desejava presenciar o espetáculo vil. Tentara mesmo junto a Saulo se não poderia ser outra a sentença ao jovem pregador, a respeito do qual o noivo lhe falara.
    Surpresa, reconhece o irmão e ele, ante a visão do Cristo que olhava melancolicamente para Saulo, a reconhece igualmente. Já não tem certeza se ela em espírito ali se apresenta ou se é produto de alguma alucinação, pelas dores que o acometem.
    A pedido de Saulo, que não entende como se tornara o verdugo do irmão de sua noiva, Estevão é retirado do poste e conduzido ao gabinete dos sacerdotes. Tanto quanto teve forças, o primeiro mátir do Cristianismo resumiu para Abigail sua história e lançou em sua alma as primeiras sementes da Boa Nova. A irmã lhe apresenta o noivo, Saulo, a quem o moribundo contempla sem ódio e acentua: "Cristo os abençoe... Não tenho no teu noivo um inimigo, tenho um irmão... Saulo deve ser bom e generoso, defendeu Moisés até ao fim..." (6)
    A cena é comovedora. Abigail deixara o irmão preso ao poste de martírio em Corinto uma vez e torna a encontrá-lo, em idêntica condição, em Jerusalém. Ora, a pedido dele, conforme o fizera um dia, na sala de torturas. Ele desencarna, em seu regaço.
    Estêvão ficaria agora mais junto do cunhado, transmitindo os pensamentos de Jesus. Seria o intermediário entre o Cristo e o Apóstolo dos gentios. Seria ainda o filho de Corinto que, ao lado de Jesus e de Abigail (desencarnada pouco depois do irmão, acometida de febre) viria receber o apóstolo Paulo, liberto dos laços da carne, conduzido por Ananias para a região do Calvário, logo após a sua decapitação ocorrida em Roma.

    Jorge Hessen

    http://jorgehessen.net


    Referência bibliográficas:
    (1)           Xavier, Francisco Cândido. A Caminho a Luz, ditado pelo espírito Emmanuel, 22ª edição, Rio de Janeiro: Ed FEB, 1992
    (2)           Xavier, Francisco Cândido. Paulo e Estêvão, ditado pelo espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed FEB, 1982
    (3)           Mt.10: 6-7
    (4)           Salmo cap. XXIII
    (5)           Atos 7: 56
    (6)           Xavier, Francisco Cândido. Paulo e Estêvão, ditado pelo espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed FEB, 1982